Vivemos um período de 50 anos, desde a última vitória da revolução Nicaraguense em 1979, durante o qual foi dominante a relação de defensiva do movimento operário no mundo, apesar da ascensão econômica da China em nível mundial no último período dirigido por um partido comunista que tomou o poder em meados do século XX. Dentro desse período dominante há uma ofensiva burguesa, entretanto com conflito acompanhado de uma profunda crise do imperialismo nos últimos períodos.
A ofensiva da luta operária apoiada em uma estratégia Revolucionária, que colocava como centro a luta pelo poder do Estado para a construção da ditadura do proletariado enquanto a expressão de democracia proletária socialista em contraposição à ditadura da burguesia e sua expressão de democracia, entra em refluxo diante do recuo da luta operária em nível mundial. Ao mesmo tempo, a luta operária avançou sobre os direitos fundamentais sendo impulsionada pelo papel que cumpriu a vitória operária na União Soviética, pressionando a burguesia a fazer concessões possíveis à classe trabalhadora diante daquelas circunstâncias históricas – quando estávamos saindo de uma grande crise econômica e da Segunda Guerra Mundial, desenvolvendo o “Estado de bem-estar social” -, o que contribuiu para a hegemonia entre a esquerda de uma estratégia reformista, com destaque para o conjunto das ideias conhecidas como eurocomunistas, em que se apostava nas transformações da estrutura econômica a partir de transformações sem ruptura com a estrutura do Estado burguês.
É esse pensamento que hegemoniza a esquerda em nível mundial. Associado a isso, a hegemonia neoliberal aprofunda uma ofensiva ideológica baseada no individualismo, com a chamada “meritocracia”, mas também de um profundo revisionismo e deturpação do pensamento revolucionário, além do avanço de uma ideologia acadêmica consoante com uma intelectualidade “progressista” que incorpora algumas lutas específicas – como gênero, racismo, questão ambiental -, mas aparta essas contradições da luta de classe, criando uma ideologia que fraciona a classe trabalhadora, associada à negação da perspectiva de tomada do poder e reforço da luta institucional ou liberalização das lutas e método de organização da classe trabalhadora. Esse processo rebaixa o programa ideológico das organizações e aprisionamento a luta institucional.
A crise é profunda, e provavelmente já se coloca entre as principais dos últimos 100 anos, e que segue rastejante, podendo abrir revoltas e lutas operárias contra o peso da crise que precisa se apoiar na superexploração dos trabalhadores. Além disso, também sofremos com períodos contrarrevolucionários, expressados no desenvolvimento de um movimento reacionário pelo mundo, sendo um exemplo disso o crescimento na atualidade das células neofascistas que propagam o ódio e a criminalização dos não-brancos, em sua maioria nos países periféricos, trabalhadoras/es, movimentos e organizações de esquerda; ou seja, a luta aberta contra a frágil democracia burguesa – com o apoio do imperialismo enquanto expressão de sobrevivência.
A luta entre o sistema imperialista hegemonizado pelos Estados dos Unidos da América (EUA) contra a China que emerge na disputa política mundial associada à Rússia, que busca espaço numa economia global não centrada na unipolaridade, conduz a uma disputa econômica, tecnológica (aeroespacial, industrial), energética, militar (armamentista), e por isso segue crescente a necessidade do controle sobre a natureza.
O caminho trilhado pelo desenvolvimento das forças produtivas capitalistas durante a etapa especulativa gerou um padrão de consumo impossível de ser generalizado para a toda população mundial. Qualquer tentativa de inclusão dos socialmente excluídos aos mercados capitalistas, além de impossível do ponto de vista da lógica do capital, levaria ao colapso os bens naturais existentes. Trabalhadores e trabalhadoras do mundo inteiro veem suas vidas arruinadas enquanto os Estados transferem recursos públicos para os bancos e para as grandes empresas.
O Mercado financeiro chantageia as velhas estruturas de poder garantindo uma nova ordem mundial, na qual o poder se concentra ainda mais nas mãos de poucos. Segundo a CEPAL, a América Latina (AL) enfrenta a maior crise dos últimos 100 anos. O subemprego, fruto das reformas trabalhistas, é comparado ao período das revoluções industriais no início do capitalismo no que diz respeito ao nível de exploração e salário. O PIB na AL deve retrair 9,1% e a pobreza deve atingir 231 milhões de pessoas, retornando a um patamar de 15 anos atrás, resultando em 96 milhões de pessoas que retornarão para a pobreza extrema.
Os países na América Latina ocupam um papel fundamental na relação de troca internacional enquanto depositários das necessidades materiais da grande burguesia internacional e interesses estatais que estão no centro dessa disputa. Estamos diante de uma nova etapa de acumulação do capital. A corrida tecnológica, conhecida como Revolução 4.0, reordena o mundo do trabalho e aprofunda o saque de bens naturais estratégicos nessa parte do mundo na qual o Brasil está inserido.
O racismo e o patriarcado são essenciais para acomodar essa troca desigual a partir do mecanismo de superexploração, onde a estrutura racial e patriarcal sustenta a relação de dominação – violência necessária para atender as frações burguesas, locais e o próprio imperialismo.
O refluxo do movimento operário em nível mundial, a ofensiva burguesa, a acomodação das esquerdas e a luta dentro da ordem a partir de um profundo rebaixamento teórico e programático impõem uma linha reformista como política hegemônica no meio popular. A luta dentro da ordem que deveria está subordinada à luta contra a ordem, ou seja, contra a estrutura de dominação, o Estado Burguês e a propriedade privada, acaba sendo apenas a luta dentro da ordem e de legitimação da ideologia e a estrutura burguesa.
É diante de uma profunda crise internacional que o imperialismo articula seu arranjo econômico, político, cultural e militar, constituindo uma ofensiva aos governos que não estão alinhados diretamente aos interesses do império, constituindo golpes de estados, e operando para a vitória de governos de extrema direita, como é o caso da Ucrânia e da América Latina.
O caso da Ucrânia se desenvolve desde 2014 quando esta realizou a deposição de um governo eleito dentro das regras burguesas e deu posse a um governo Fascista apoiado e financiado pelos EUA com vistas a construir um cerco contra a Rússia a partir do apoio militar da OTAM. Apesar do discurso pró-Ucrânia e da xenofobia contra a Rússia por parte mídia ocidental pró-imperialista, a guerra é uma ação defensiva da Rússia contra os interesses econômicos, políticos e militares dos EUA.
A disputa com a China exige por parte dos EUA o controle sobre a América Latina, que desde 2009 aprofunda ingerência política nos países do continente a partir de golpes de Estados em aliança com as burguesias locais, associados à tutela de setores e instituições do Estado (destaque para o papel do Judiciário, militares e o parlamento), bem como associados ao capital financeiro internacional.
Os governos que foram construídos, ainda que com seus limites subordinados à luta fora da ordem, constituíram condições de se defender diante o cerco e contra a ofensiva burguesa. Entretanto, a debilidade do movimento operário em nível mundial e de experiências de rupturas mantém a dominância do desenvolvimento de experiência atrelado à luta por dentro da ordem, transformando as vanguardas políticas da classe trabalhadora mais reféns da institucionalidade e deixando despreparadas as forças e massas populares para os desafios políticos que vão se apresentando. É dentro desse contexto que estamos vivendo uma profunda ofensiva reacionária na América Latina, com golpes de estados, desenvolvimento de movimentos neofascistas e incidência de grupos paramilitares financiados pelos EUA.
Os próximos períodos serão de profunda instabilidade política e luta de classe aberta, tendo em vista a necessidade de o imperialismo reforçar a sua dominação e exploração sobre os povos do mundo, mas com destaque nos países periféricos. Esse contexto pode se desdobrar em lutas contra a violência do capitalismo e por liberdade. Essa situação política abre condições para o forjamento de processos revolucionários, mas também contrarrevolucionários diante a ascensão de um movimento reacionário de baixo nível ideológico e organizativo das forças de esquerda.
As eleições se mantêm enquanto trincheira de luta das forças de esquerdas. A vitória da Bolívia, assim como do Chile e Peru enquanto resultado da reação popular a segunda ofensiva neoliberal, apresenta uma série de desafios que nos ensinam que as forças populares que relegaram a organização popular e uma política que estimule a resistência e de construção de hegemonia estão mais vulneráveis contra a reação burguesa, sempre desestabilizando as frágeis instituições democráticas. O desenvolvimento de movimento reacionário nos EUA, Europa e na AL torna essa situação política ainda mais complexa, exigindo a condição de atrair a classe trabalhadora para um projeto que coloque em xeque a ordem burguesa, para que a crise capitalista não resulte na direção da classe trabalhadora para um projeto reacionário, em especial quando as forças populares estão com baixa representação junto as massas populares. É por isso que nas lutas dos próximos períodos as organizações e os seus respectivos programas devem estar atreladas a uma estratégia Revolucionária – sendo a principal tarefa o desenvolvimento de um trabalho político e organizativo junto às massas proletárias, para que sejamos capazes de avançarmos em um projeto de sociedade efetivamente transformador e, portanto, socialista.