Maria das Dores
colheu poucas flores.
A vida lhe deu uma surra de fedegoso.
Dos filhos que teve,
chamou à responsa,
e como uma onça,
não deixou nenhum deles, sequer ter jeito dengoso.
Forte e intensa
porque a vida lhe obrigou.
Para ter comida na dispensa
muita humilhação já passou.
Olhava a banana na fruteira da patroa numa boa
E pensava: que um dia talvez lhe sobrava
algum dinheirinho também.
Para comprar umas frutas e ver o sorriso dos pequenos
A quem tanto queria bem.
De noite, quando ia deitar,
cansada do trampo do dia,
Olhava a imagem da Santa Aparecida,
pois com a santa se parecia.
Minha Santinha preta,
dai-me forças, saúde e energia.
Para que eu consiga cuidar
dos filhos sem perder a alegria.
E que eles sofram menos
do que eu sofro por causa da minha cor.
Pois nesse Brasil de meu Deus,
ser preto é desafiador.
Mas ó Mãezinha, eu juro que não entendo!
Tanta gente que te reverencia,
te visita em Aparecida, faz promessa, romaria
mas continua com o chicote, batendo cada vez mais forte
nas gentes que tem a tua mesma cor e que sofre dia após dia.
Mãezinha preta: Eu sou Maria das Dores;
mas eu quero ficar com Dores só no nome.
Pois já são tantas dores na vida…
Eu estou querendo Flores.
Ahhh…se eu pudesse ser Maria das Flores.
Por que será que mamãe foi me chamar
logo de Maria das Dores…?
Vai ver ela sabia que a vida é cheia de Dores…
Mas …já bastava a vida, né?
Sei lá… deixa pra lá…
Eu só sei que cansei de apanhar.
E de agora em diante,
quem vier com desaforo, vai escutar…
E se insistir, vai apanhar.
Eu ando cansada de oferecer a outra face.
Quem me bater, agora vai levar.
Mãezinha preta, eu não sou da violência, não.
A violência é que me persegue,
através de tanta gente
que me explora, me aborrece, me entristece,
e corta meu coração.
Mas a leoa que mora em mim
me levará a defender.
Se mexer com minha filha,
como essa gente vai se ver!
E se necessário for, eu também irei bater.
Ah… E de hoje em diante, quero todo mundo avisado:
quero ser chamada de Maria das Flores!
Não quero dedo apontado
se não é meu admirador.
Então, que me respeite.
Ouviu bem, seu malcriado?